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segunda-feira, 12 de março de 2012

Escassez de professores no Ensino Médio: Um relatório do Conselho Nacional de Educação (CNE) – Parte II

“De acordo com a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), o Brasil corre sério risco de ficar sem professores de Ensino Médio na rede pública, na próxima década. E o alerta da CNTE tem suas razões: basta de que se analise a relação entre número de ingressantes na profissão versus a perda de profissionais por aposentadoria ou baixa remuneração salarial.”
Trecho do relatório do CNE

A Escassez de Professores no Ensino Médio – o desafio a ser vencido

a) Da Remuneração Docente

No que se refere à remuneração do professor, o Relatório apresenta dados de pesquisas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), realizadas em 38 países e mostra o Brasil como o antepenúltimo na lista dos baixos salários, o que leva à falta de disposição do jovem brasileiro em seguir a carreira do magistério. Afirma ainda que, “Como a questão salário não se resolve a curto prazo, pelo menos é possível criar o piso salarial para o professor, via FUNDEB, e instituir mecanismos que possam elevar o desempenho e promover o professor em sua carreira profissional. Do contrário, será difícil vencer o desafio da elevação de qualidade e, por conseguinte, dos demais fatores que influenciam a motivação e a auto estima do aluno e do corpo docente.”

A Tabela 6 mostra os resultados de alguns desses países e comprova o que a Drª Amanda Rangel afirmou em seu artigo “A remuneração do professor é baixa ou alta? Uma contraposição de diferentes referenciais”, objeto da publicação Um breve histórico do magistério português e brasileiro, do dia 27 de fevereiro deste ano nesse blog, onde diz que o salário do professor português em início de carreira é maior que o salário do professor brasileiro no final da carreira.

Seguindo essas orientações, foi criada a Lei 11.738/2008 que estabelece o Piso Salarial Profissional Nacional para os profissionais do magistério público da Educação Básica que, em seu artigo 5º parágrafo único, prevê reajuste anual no mês de janeiro “utilizando-se o mesmo percentual de crescimento do valor anual mínimo por aluno referente aos anos iniciais do Ensino Fundamental urbano”.

Cumprindo o que determina a Lei do Piso, o MEC anunciou, dia 27 de fevereiro, o novo valor do Piso: R$ 1.451,00 para a jornada de 40 horas semanais, um reajuste de 22,22%. Em entrevista no dia 01 de março, o Ministro da Educação, Aloísio Mercadante, afirmou que “Não teremos uma educação nos padrões dos países desenvolvidos enquanto não tivermos uma educação universal e de qualidade” e “Para 2012, a lei é essa e é para ser cumprida”.
Governadores Sérgio Cabral, Anastasia, Casagrande, Cid Gomes e Jaques Wagner. Fonte: Correio do Brasil

Na contramão das orientações do Relatório do CNE, da Lei 11.738/2008, das orientações do MEC e do Ministro, segundo o Correio do Brasil do dia 14 de março, os governadores Sérgio Cabral (RJ), Anastasia (MG), Casagrande (ES), Cid Gomes (CE) e Jaques Wagner (BA), pressionaram Marco Maia, Presidente da Câmara dos Deputados, para determinar o regime de urgência na votação do projeto de Lei que reduz o reajuste do Piso Nacional dos Professores de 22%, este ano, para 6%. Caso o referido Projeto de Lei seja aprovado, será mudado o mecanismo de reajuste anual do Piso que deixará de ter aumento real e passará a ter apenas a reposição da inflação do ano anterior. Como atrair então, novos profissionais para o magistério se o salário ficar perpetuamente miserável?

O Relatório do CNE expõe ainda alguns dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) mostrando que, em 2003, a média salarial do professor da rede estadual do Ensino Médio era de R$ 994,80 e, no Nordeste, a média era de “R$ 822,92 – menos do que recebe um aluno para fazer mestrado, cuja bolsa é de R$ 955,00. Não é que a Bolsa de Mestrado seja elevada, mas, para os poucos que concluem um curso de licenciatura em ciências exatas, por exemplo, é muito mais estimulante “batalhar” por uma oportunidade na pós graduação do que ingressar na carreira do magistério para ganhar menos de três salários mínimos por mês.”. A Tabela 7 mostra a média salarial em 2003 de um professor de Ensino Médio no Brasil e regiões, segundo estudo do INEP.
“Nota-se, claramente, que um esforço nacional deve ser feito para reduzir as disparidades salariais entre as regiões e que este deverá ser um dos propósitos mais relevantes do FUNDEB, para corrigir distorções e, assim, elevar o desempenho docente e promover o mérito. Mas isso não é o que pensam ou pretendem os cinco governadores acima citados.
 
b) Da Formação de Professores

Os dados do INEP ainda apontaram, na época, para a necessidade de cerca de 235 mil professores para o Ensino Médio em todo o país, em particular nas disciplinas de Física, Química, Matemática e Biologia. Para se ter uma noção da gravidade do problema, enquanto a carência nacional era de 55 mil professores de Física, foram licenciados para essa disciplina, entre 1990 e 2001, apenas 7.216 novos profissionais, “e algo similar também se observou na disciplina de Química.”. A Universidade de São Paulo (USP), licenciou, em 2001, apenas 172 novos professores nas quatro disciplinas mais críticas: 52 em Física, 42 em Biologia, 68 em Matemática e apenas 10 em Química. A Tabela 8 nos mostra a demanda de professores por disciplina na Educação Básica em meados da década passada e o número de licenciados entre 1990 e 2001.

Um estudo de meados da década de 1990, realizado pela Comissão Especial de Estudos sobre a Evasão nas Universidades Públicas Brasileiras, numa parceria entre o MEC e o Fórum de Pró Reitores de Graduação (FORGRAD), constatou um elevadíssimo índice de evasão nos cursos de Licenciatura. Em relação à demanda, o número de vagas oferecidas nas Universidades brasileiras já era muito baixo para os cursos de Licenciatura e a criação do FUNDEB criou um grande potencial para a ampliação de vagas para o Ensino Médio, o que levou os autores do Relatório ao alerta de que “o resultado poderá vir a ser chamado de ‘Apagão do Ensino Médio’, e será inevitável, caso providências urgentes não venham a ser tomadas pelo governo federal, em regime de colaboração com os estados. A Tabela 9 mostra o percentual de evasão dos cursos de Licenciatura no ano de 1997.

A criação do Piso Salarial do Magistério em 2008 é uma importante ferramenta para incentivar os jovens a ingressarem na carreira do magistério desde que, de fato, sirva para recuperar os vencimentos do professor e, gradativamente, estabelecer um salário digno e compatível com a sua importância para o país e com o grau de instrução exigido para a sua atuação. Porém, no mesmo ano de sua criação, os governadores Yeda Crusius (RS), Cid Gomes (CE), André Puccinelli (MS), Roberto Requião (PR) e Luiz Henrique (SC) entraram no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4.167) contra a Lei 11.738/2008. Julgada constitucional pelo STF desde abril de 2011, a Lei do Piso passou a vigorar e Estados e Municípios deveriam cumpri-la, mas no início deste ano (2012) os governadores Sérgio Cabral (RJ), Anastasia (MG), Casagrande (ES), novamente Cid Gomes (CE) e Jaques Wagner (BA) mostraram que querem mudar a fórmula de cálculo do reajuste do Piso para que não haja aumento real e a conseqüente valorização dos profissionais da Educação. Faz-se então o seguinte questionamento:

Os governadores acima citados não tomaram conhecimento desse Relatório e/ou não sabem da atual situação da Educação de nosso país? Se tomaram, não querem colaborar com a melhoria da Educação Básica e, portanto, querem o “Apagão do Ensino Médio”. Por outro lado, se não tomaram conhecimento desse Relatório e pior, não sabem da atual situação da Educação de nosso país, são incompetentes e deveriam entregar seus cargos para que os jovens e os professores de seus estados não afundem cada vez mais com a problemática e crônica falta de interesse do poder público pela Educação.

A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) alertou, na época, que Brasil corre sério risco de, nessa década, ficar sem professores de Ensino Médio na rede pública, o que Antonio Ibañez Ruiz, Mozart Neves Ramos e Murílio Hingel, autores do Relatório, concordam. Isso porque o número de novos professores que ingressam na profissão é menor que a perda dos profissionais por aposentadoria ou pela baixa remuneração que, juntamente com a violência nas escolas e a superlotação das salas de aula, são apontados como fatores que causam a falta de interesse dos jovens pela profissão. A CNTE mostrava ainda um alto índice de afastamento por problemas de saúde e de faltas ao trabalho por problemas de exaustão. Estimava-se um número de 2,5 milhões de educadores em todo o Brasil em 2003 e cerca de 60% deles estavam mais próximos da aposentadoria que do início da carreira. Observe a faixa etária dos professores da rede pública estadual demonstrada na Tabela 10.

Em outro estudo realizado pelo INEP em 2005, quando o número de alunos matriculados era de 15.069.056 para o 2º Ciclo do Ensino Fundamental (5ª a 8ª série) e de 9.031.302 para o Ensino Médio, verificou-se que o número médio de alunos por turma era de 36,7 para o 2º Ciclo do Ensino Fundamental e de 31,4 para o Ensino Médio. A recomendação do MEC é que haja até 30 alunos por turma para o 2º Ciclo do Ensino Fundamental e até 35 para o Ensino Médio. Podemos notar um excesso de alunos por turma para o Fundamental.

Considerando uma carga horária de 20 horas semanais e o número de aulas ministradas por disciplina, elaborou-se as Tabelas 11 e 12, retratando a demanda de professores da época, respectivamente, para os Ensinos Médio e Fundamental.
Observação: Na Tabela 11, a legenda apresenta uma demanda de 246.085 professores, o total apresentado é superior em 2.000 e a soma por disciplina é 2.703 inferior à legenda; a soma dos professores, na Tabela 12, é de 479.907, uma unidade superior ao total apresentado. Não há explicação alguma no Relatório com relação a essas diferenças.


Após esse levantamento, o INEP recorreu ao Censo do Ensino Superior e fez um levantamento do número de concluintes dos cursos de Licenciatura nas diferentes disciplinas entre 1990 e 2005, demonstrado na Tabela 13.

Nesse ponto, transcrevo o Relatório:

Comparando os dados de demanda apresentados nas Tabelas 11 e 12 com aqueles de concluintes apresentados na Tabela acima, o INEP chegou às seguintes conclusões:
a)   percebe-se um baixo percentual de professores com formação inicial específica na disciplina que lecionam; entretanto, a pesquisa chama a atenção para o fato de que isso não quer dizer que o professor não seja habilitado – ele o é, desde que tenha feito alguma qualificação fora da formação inicial, por meio do processo de formação continuada.
b)   Apenas em Língua Portuguesa, Biologia e Educação Física há mais de 50% dos docentes em atuação que têm licenciatura na disciplina ministrada. A situação mais preocupante é na disciplina de Física, em que esse percentual fica apenas em 9%! A disciplina de Química não está muito atrás, com 13%. Os percentuais, em várias disciplinas, são mostrados na Tabela 14.

Na próxima publicação (terceira e última) de análise desse Relatório, trataremos das conclusões, soluções e proposições apontadas pelo Relatório, fazendo uma análise crítica sobre o que efetivamente foi acatado pelo então Ministro Haddad e realizado em prol da melhoria da Educação de nosso país.

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